Geralmente, achamos que os preços de grãos e sementes oleaginosas estão à mercê do clima e do conjunto específico de forças econômicas do setor agrícola que inclui: plantação, ciclos de crescimento e colheita, além de estoques de safra. Na verdade, estes fatores de risco são importantes agentes dos preços agrícolas. Mas, além deles, os fatores macroeconômicos desempenham um papel sutil na agricultura. Por exemplo, durante a grande inflação dos anos 1970, os preços agrícolas subiram ao mesmo tempo em que o dólar (USD) caiu. Os preços agrícolas recuaram durante os anos 1980 com o aperto de política monetária do Federal Reserve que trouxe desinflação e recuperação do USD.
Mesmo assim, a força ou a fraqueza do dólar dos EUA mostraram, basicamente, correlação zero (entre -0.1 e +0.1) com os movimentos dia a dia nos preços agrícolas entre 1975 e início dos anos 2000, quando a correlação tornou-se mais forte e mais negativa(Figura 1).
A correlação cada vez mais negativa entre os preços agrícolas e o dólar dos EUA reflete as mudanças estruturais na produção e comércio agrícolas globais que aumentaram a influência dos fatores macroeconômicos.À medida em que a produção de milho e trigo na região do Mar Negro aumentou, o que acontece na Rússia e Ucrânia é, agora, de suma importância, especialmente para o trigo. Da mesma forma, a produção de milho e soja aumentou drasticamente na Argentina e no Brasil, fazendo o que ocorre com as moedas da América do Sul algo central para determinar os preços destas duas culturas. Os destinos do rublo russo (RUB) e do real brasileiro (BRL) estão intimamente ligados aos resultados dos principais mercados agrícolas.
Ao mesmo tempo, uma diversidade maior de regiões de lavoura em desenvolvimento pode estar mitigando os efeitos de eventos de clima. O clima de safra severo nos EUA, na América do Sul ou no Mar Negro ainda pode elevar os preços da safra, mas é menos provável que esse clima ocorra nos três lugares ao mesmo tempo.
As economias brasileira e russa são, por sua vez, fortemente influenciadas pelas evoluções na maior economia do mundo em crescimento mais rápido: a China. Enquanto os 1,3 milhões de consumidores da China são o mais importante mercado de alimento no mundo, as variações na taxa de crescimento da China têm pouca influência direta nos preços dos bens agrícolas. Se a China crescer a, digamos, 6% em vez de 7 ou 8%, os consumidores chineses, provavelmente, não comprarão muito menos milho, soja e trigo. Mas sua demanda irá crescer mais vagarosamente para o petróleo e metais industriais como o minério de ferro e o cobre. Energia e metais são exportações-chave de muitas nações exportadoras de produtos agrícolas, incluindo Austrália, Brasil, Canadá e Rússia. A demanda da China por matéria prima conduz os valores de suas moedas por meio dos mercados de energia e metais. Isto, por sua vez, muda os custos relativos de produção para os agricultores na América do Sul, região do Mar Negro e em outros lugares contra os agricultores dos EUA, que negociam somente em USD.
Nas últimas três décadas, a produção de trigo dos EUA caiu de 8-12% do total mundial para entre 6-8%. Enquanto isso, a produção de trigo do Mar Negro subiu de 8-12% da produção global para perto de 13-15% (Figura 2). A revolução pós-soviética na produtividade agrícola do Mar Negro transformou a região na maior exportadora mundial de trigo, vendendo o equivalente a 7-8% da produção global para o resto do mundo a cada ano. Enquanto isso, as exportações dos EUA de trigo costumavam ser de 4-5% da produção global e, agora, estão perto de 3% da produção mundial (Figura 3).
Os EUA continuam como produtor de milho dominante, mas a produção norte-americana caiu em percentual do total mundial. Até 2010, a produção de milho variou entre 38-42% do total mundial, mas tem caído, desde então, para perto de 33-34%. No mesmo período, a produção da América do Sul subiu de 7-10% do total mundial para perto de 11-13%, enquanto a produção de milho do Mar Negro cresceu de 1-3% do total mundial para pouco menos de 5% (Figura 4). O impacto sobre as exportações líquidas de milho é muito mais drástico. Uma vez que os EUA consomem a maior parte de sua produção, exporta somente o equivalente a 5,5% da produção total global, abaixo dos 8% durante o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. Enquanto isso, as exportações líquidas da América do Sul subiram de apenas 1-3% da produção global para cerca de 5,5% da produção mundial – quase o mesmo que os EUA. Na última década, as exportações líquidas de milho do Mar Negro subiram de nada para perto de 3% da produção total mundial (Figura 5).
No mercado de soja, a América do Sul aumentou seu total de produção de 32% para 48% do total mundial, enquanto a produção dos EUA caiu de 47% do total global para abaixo de 33% desde do final dos anos 1990 (Figura 6). As exportações líquidas de soja dos EUA estagnaram-se em cerca de 15% da produção global, enquanto as exportações da América do Sul, agora, contam com cerca de 23% da produção mundial, acima dos cerca de 6-7% há 20 anos. (Figura 7).
Não é de se admirar, então, que os preços da soja e do milho acompanhem de perto a taxa de câmbio do BRLUSD (Figuras 8 e 9) e que os preços do trigo movam-se em conjunto com a taxa do RUBUSD (Figura 9). Os agricultores dos EUA sempre estiveram à mercê do USD até certo ponto, mas cada vez mais sua prosperidade está à mercê de eventos em lugares distantes. Os deficits fiscais e as dificuldades do Brasil na aprovação da reforma da previdência poderiam enfraquecer o BRL e prejudicar os produtores de milho dos EUA e, especialmente, os de soja. Enquanto isso, a exemplar saúde fiscal da Rússia pode vir a ser boa notícia para os agricultores de trigo dos EUA – e, talvez, também para os de milho.
O Brasil e a Rússia, entretanto, estão à mercê da China. Quando a taxa de crescimento da China é medida, pode-se, certamente, olhar para o PIB oficial do país, que é uma medida muito ampla que inclui a economia de serviços chinesa cada vez mais diversificada. Uma medida mais restrita, chamada Índice Li Keqiang, que mede volumes de frete ferroviário, eletricidade e empréstimos bancários, se correlaciona excepcionalmente bem com os preços do milho, soja e trigo, bem como com os preços de outras commodities, a exemplo do cobre e do petróleo. Além disso, também tem fortes correlações com as moedas dos principais exportadores agrícolas, como o BRL e o RUB, mas também com os dólares australiano e canadense (Figura 11).
A guerra comercial entre EUA e China tem sido má notícia para os agricultores norte-americanos, deprimindo os preços da soja, em particular, à medida em que a China reduziu suas importações de suprimentos dos EUA. Dito isto, a guerra comercial estimulou a China drasticamente a suavizar sua política monetária reduzindo sua taxa de compulsório. A China também decretou, recentemente, cortes de impostos adicionais. A flexibilização da política monetária chinesa aumentou a curva de rendimentos do país e, ao longo dos últimos doze anos, a curva de rendimentos da China tem sido um excelente indicador de acelerações e desacelerações no índice de crescimento Li Keqiang e no PIB oficial da China. Como tal, se o crescimento da China realmente responder aos estímulos monetário e fiscal, isso não só poderia impulsionar o crescimento econômico da China, mas também os preços de energia e metais e, através deles, as moedas das principais nações exportadoras agrícolas. Isso poderia elevar os custos de produção no Brasil, Rússia e outros exportadores agrícolas emergentes e oferecer algum alívio para os agricultores norte-americanos.
Claro está é que os agricultores em todo o mundo estão à mercê de mais do que apenas o clima e o dólar dos EUA. Eles são cada vez mais afetados por decisões de políticas públicas tomadas em lugares distantes como Brasília, Moscou e Pequim.
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